“Após um exame feito por um dos médicos, tive de sentar com a coluna ereta por vinte e quatro horas, para evitar complicações. Depois de tantos meses sem sentar, dessa vez não havia escolha: teria de passar por isso. Durante as longas horas daquela noite, senti‑me à beira da loucura, e parecia ouvir duas vozes falando dentro de mim. Uma dizia: “Eu não consigo aguentar isso. Vou enlouquecer. É impossível tolerar isso até o amanhecer”. Já a outra respondia: “Você tem de aguentar, você não tem escolha”. Elas discutiam incessantemente, como um torno que a cada segundo ficasse mais apertado. De repente, daquele caos algo novo apareceu. Senti uma clareza intensa e uma terceira voz disse: “Você não tem de atravessar a noite até amanhecer. Você só precisa atravessar o momento presente”.
Imediatamente, minha experiência foi transformada. A tensão que me torturava abriu‑se em expansividade, e compreendi a verdade do que a terceira voz me dizia. Eu soube, não de maneira racional, mas no meu coração, que a vida só pode se desenrolar um momento por vez; percebi que o momento presente é sempre suportável e provei a confiança que esse conhecimento traz. O medo se esvaiu e eu relaxei.
Sentada com a ajuda de um apoio na cama do hospital, naquela noite compreendi que grande parte do meu tormento crescia por causa do medo do futuro (os momentos de dor que, na minha imaginação, se estenderiam até o amanhecer), e não do que eu sentia, de fato, no presente. Sem entender o que tinha acontecido, senti que havia descoberto algo extraordinário.
Era uma experiência visceral, que ecoou como as reverberações de um terremoto através do meu corpo, dos meus sentimentos e pensamentos – e tinha um gosto de liberdade.
Aquela longa noite sentada foi o eixo em torno do qual minha vida se transformou. O que vivenciei rompeu as minhas defesas e mostrou‑me uma maneira completamente diferente de ser. Era como se a bússola da minha vida de repente se alterasse e meus hábitos, atitudes e entendimento estivessem se realinhando aos poucos. Ainda assim, passaram‑se muitos anos de convivência com a dor crônica até que eu conseguisse integrar aquelas lições à minha experiência cotidiana de modo sustentável e prático. Antes eu me baseava na simples dicotomia entre a dor (que era indesejável) e a ausência de dor (desejável). Por incrível que pareça, descobri que a dor crônica com a qual eu convivia não era realmente o problema. O que de fato me fazia sentir infeliz e aflita era a minha resistência ao sofrimento – os milhões de maneiras com as quais a mente e o coração podem dizer: “Eu não quero que isso aconteça comigo”. É isso que torna a dor tão, mas tão dolorosa.
Viver com a dor mudou‑me de maneira profunda. Aos poucos, fui capaz de enfrentar minha nova realidade e, nesse processo, descobri que ela abarca não apenas a dor e as limitações físicas de meu corpo, mas também inúmeros elementos sutis e belos. Ao resistir à dor e tentar bloqueá‑la, eu também bloqueava a beleza. Ao me abrir para a dor, eu abria a porta para uma riqueza de emoções, como o amor, a ternura e a sensibilidade. Percebi que a vida é agridoce e, quando paro de esperar que ela seja apenas maravilhosa ou horrível e guardo, num coração sincero, um sentimento da delicada mistura dos dois, sinto‑me
relaxada e aberta. Ao encarar minha situação e me tornar sensível a ela, tornei‑me uma pessoa mais gentil, mais tolerante
e com muito mais empatia pelos outros.”